REGISTRO: 4954 - B
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PROCURA-SE BRÁULIO
DESESPERADAMENTE
PERSONAGENS:
ALAOR
MIRIAM
BRAULIO
ADRIANA FLETT
BEBADO/POLICIAL
POLICIAL2
Quarto de Alaor e Miriam. Os dois estão na cama em vias de fazer amor
sob o lençol. Gritinhos e gemidos.
ALAOR
Agora vai! Agora vai!
Agora vai!
Miriam
Aí Alaor ... Alaor...
ALAOR
Agora vai! Agora vai!
Agora vai!
Silêncio.
MIRIAM
O que houve?
ALAOR (Decepção)
Não foi...
MIRIAM
Falhou de novo?
ALAOR
Teve uma hora que eu achei que
ia... Não foi...
MIRIAM
Sê tem trabalhado muito,
Alaor. Precisa se divertir mais...
ALAOR
Mas não era isso que estava
tentando fazer?
MIRIAM
Eu li numa revista que todo homem
brocha ao menos uma vez. É normal, não
pira Alaor.
ALAOR
Mas Miriam...é a quinta vez!
Foram cinco vezes consecutivas, se vale o que ta dizendo, já brochei por cinco
encarnações!
MIRIAM
E depois foram só quatro. No
sábado funcionou...
ALAOR
Funcionou Miriam?
MIRIAM
Praticamente... Não fica assim
vai... É por causa do stress que ‘ele’ não sobe.
ALAOR
O fato dele não subir é que me
deixou estressado! Antes disso eu estava calmo.
MIRIAM
Devia procurar um médico.
ALAOR
Médico?! Eu estava pensando num
pai de santo. Eu tenho um amigo que vai
num terreiro. Ele diz que tem um caboclo
lá que é sensacional.
MIRIAM
Mas que horror...
ALAOR
Ele até me ensinou uma simpatia.
Disse que é tiro e queda.
MIRIAM (Rindo)
Se é tiro ...e queda. Então nem precisa.
ALAOR (Magoadissimo)
Você é uma insensível! Você não
tem coração!
MIRIAM
Eu tô brincando,pô.
ALAOR
Com os sentimentos dos outros não
se brinca! Vocês mulheres são todas
iguais, como não passam pelo problema
não levam a sério. Se esquece das horas
e horas que eu passei te ouvindo falar em tensão pré-menstrual? E sem emitir um
único gemido de sofrimento. Teve um dia que você me amolou tanto que eu quase
menstruei também.
MIRIAM
Pois era bom que menstruasse pra
ver como é bom! A menstruação afeta até a produtividade das empresas se você
quer saber.
ALAOR
Claro! As mulheres amolam tanto
seus maridos que no dia seguinte eles nem trabalham direito.
MIRIAM
Estava faltando um toquezinho
machista. Eu também trabalho , lembra?
ALAOR (Desconhecendo o comentário)
Menstruação, menstruação,
menstruação... foda é ereção! Isso sim!
MIRIAM (Séria)
Alaor.
ALAOR
Que é?
MIRIAM
Isso tem alguma coisa a ver com o
que aconteceu com a Alzira?
ALAOR
Claro que não! Mas que
ideia. A Alzira é uma doida, uma maluca.
Fazer uma barbaridade daquelas. Você vai ver como a defesa vai vir com esse
papo de tensão pré-menstrual. Atualmente isso é desculpa até pra assalto a
banco.
MIRIAM
Mas você ficou
impressionado. Afinal a Alzira é uma
pessoa conhecida, não é só uma notícia no jornal.
ALAOR
Nada a ver, nada a ver!
MIRIAM
Será? Esse problema começou logo depois.
ALAOR (Ficando pensativo por
alguns instantes)
Para Miriam, para! Sem relação.
MIRIAM
Que loucura... Cortar o pênis do namorado...
ALAOR
Pois é! Vocês mulheres pensam que
pinto é igual rabo de lagartixa que a gente corta e nasce outro.
MIRIAM
Vocês quem? Eu por acaso já
tentei cortar o seu?
ALAOR
È a maneira de dizer... E depois
na atual conjuntura não ia ter muito o que cortar...
MIRIAM
Não seja dramático Alaor,
logo-logo passa, você vai ver. Nós ainda vamos rir de tudo isto.
ALAOR (irônico)
Vamos, vamos sim. Quem sabe até
ganhar dinheiro. Eu podia me apresentar no circo junto da mulher barbada, do
atirador de facas, do homem que come gilete, da mulher macaco.
MIRIAM
Lamento dizer mas o seu problema
não tem nada de extraordinário, nada de anormal. Acontece com milhões.
ALAOR
Nesse caso eu podia fundar um
grêmio recreativo, uma cooperativa, um sindicato.
MIRIAM
Chega de autoflagelação por hoje.
Vamos dormir. Vem. Vamos fazer naninha que amanhã é um novo dia.
Os dois deitam-se.
ALAOR
Mas eu não lhe falei da simpatia!
MIRIAM
Que simpatia?
ALAOR
Aquela... do meu amigo...do
Caboclo... É o seguinte: eu preciso de uma calcinha sua. E virgem.
MIRIAM (Espantada)
Pra que?
ALAOR
Pra fazer um chá.
MIRIAM
Deus do céu! Você vai beber a
minha calcinha?
ALAOR
Claro que não. É pra fazer um chá
e jogar sobre o corpo. Tem umas ervas que vão junto, mas isso eu já comprei.
MIRIAM
Você não era Ateu?
ALAOR
Era...antes...
MIRIAM
Isso é coisa de gente desesperada.
ALAOR
Justamente! Vamô lá. Em coisa de
cinco minutos a gente faz.
MIRIAM
A gente discute isso amanhã. Mesmo porque eu não tenho calcinha virgem.
ALAOR
Como não?
MIRIAM
Não tendo ora essa. Eu compro pra usar.
ALAOR
E agora?
MIRIAM
Agora a gente vai dormir. Boa
noite coração... (Se ajeita como quem vai dormir)
ALAOR
Você podia comprar uma.
MIRIAM
São mais de meia noite Alaor.
ALAOR
E daí? Tem esse mercadão 24
horas.
MIRIAM
Você não esta pensando em sair da
cama uma hora dessas?
ALAOR
Claro que não. Tem que ser nós
dois. Você tem que ir junto, seu eu comprar o Caboclo pode não aceitar. Aí a
calcinha fica sendo minha.
MIRIAM
O QUE? Perdeu o juízo? Boa noite
Alaor.
ALAOR
Pó Miriam...de carro é um
pulinho... Eu ...eu to sofrendo...
MIRIAM (Apagando a Luz)
Eu também! Agora vamos dormir que
eu estou com sono.
ALAOR (Após pequena pausa)
Miriam...
MIRIAM
Hummm...
ALAOR
Vamos tentar de novo?
MIRIAM
Ai Alaor...deixa pra amanhã...to
com sono...
ALAOR
Só mais uma tentativa e eu não te
aborreço mais.
MIRIAM
Aí Alaor...
ALAOR
Tive uma ideia! (Levanta acende a
luz)
MIRIAM (Cobrindo a cabeça com o
travesseiro)
Apaga essa luz!
ALAOR
Já sei o que está faltando! Claro!
(Vai até a gaveta e pega um CD) Falta inspiração,falta vontade de vencer,
de superar as adversidades ! Chega de baixo astral! Chega! Preciso de alguma
coisa que ponha pra fora meu ímpeto selvagem, a fração primitiva e animal que
trago dentro de mim!
MIRIAM
Olha lá o que vai fazer... eu não
sou mulher de plástico não.
Ele coloca o CD no aparelho.
ALAOR
Com isso não há quem me segure!
Volta pra cama, apaga a luz.
Miriam
Devagar.
ALAOR
Vem cá! O macho que eu
era...voltou!
O CD começa a tocar. É o hino do Corinthians: “ Salve o Corinthians / Campeão dos
campeões...”
MIRIAM (Afobada)
Que isso Alaor! Os vizinhos vão
reclamar!
ALAOR
Não fala! Não fala que corta o
clima! Agora vai! Agora vai!
MIRIAM
ALAOR!
TIMÃO! TIMÃO! TIMÃO !
MIRIAM
Pelo amor de Deus! A tia Luzia
mora na rua de baixo!
ALAOR
Quieta! Não atrapalha! Timão ! Timão ! Timão ! Ti...mão. (Voz
embarga) Timão..ti...timão... (Voz
agoniada) Corinthiiaass...
Alaor levanta e desliga o som.
Deita-se sem dizer nenhuma palavra.
MIRIAM
Pô Alaor...não fica assim
vai. Sabe o que é...o Corinthians nem
anda tão bem , quase não marca gol.
Som de soluços.
MIRIAM (Terna)
Puxa amor...também não precisa
chorar...
Blecaute. Passagem de tempo. Dia
seguinte. Miriam sentada no sofá lendo
um livro.
ALAOR (Fora de cena)
Miriam!
MIRIAM
Isso são horas? Cheguei do
trabalho a séculos. Onde você foi ?
Alaor entra em cena com vários
objetos de umbanda. No pescoço um
emaranhado de guias de várias cores, na boca um charuto apagado, nas mãos um
alguidar com búzios, velas de várias cores e uma garrafa de cachaça.
MIRIAM (Espantada)
Você foi num terreiro?!
ALAOR
Ué?! Como é que sê sabe?
MIRIAM
Ora francamente! Só faltou a
galinha preta!
ALAOR (Colocando as coisas na
estante)
Eu já encomendei! Entrega amanhã,
na granja não tinha galinha 100% preta.
MIRIAM
Alaor você não é ateu?
ALAOR
Era...antes...
MIRIAM
Você deve ter enlouquecido de
vez!
ALAOR
Deixa disso Miriam. Há momentos
que temos que abandonar o pragmatismo cientifica.
MIRIAM
Isso não é abandono é deserção.
Só tem uma coisa: acender charuto aqui dentro nem pensar!
ALAOR
Não é pra mim Miriam é pro caboclo. Conversamos por mais de duas horas e ele me
contou coisas que você nem imagina.
MIRIAM
Dá pra imaginar que não dá pra
imaginar.
ALAOR
Ele me fez um benzimento, um
descarrego que foi uma maravilha. Você precisava estar lá. As vibrações eram tão fortes que achei que
ia levitar.
MIRIAM
A propósito... teve alguma
ereção?
ALAOR
Claro que não! Imagine! Seria o
cúmulo do desrespeito, afinal lá é um lugar santo.
MIRIAM
E ele disse qual é o problema?
ALAOR
Aí é que está. Ele me falou que a
resposta me viria em sonho.
MIRIAM (Incrédula)
Sonho?!
ALAOR
Exatamente.
MIRIAM
Sei. Mas voltando a realidade, ao mundo real. Com quanto você ‘morreu’ nessa estória?
ALAOR
Ora Miriam não me venha falar de
dinheiro. Um benefício desses não há dinheiro que pague.
MIRIAM
Meu Deus como homem é bicho
besta. No primeiro vacilo do sujeitinho
lá de baixo, eles entram em pânico.
ALAOR
Saiba você que o ‘sujeitinho lá
embaixo’ responde por noventa por cento da diversão que um homem tem na
vida. É o Walt Disney e a Disneylândia.
Vai, vamô pra cama logo, eu preciso ter o sonho.
MIRIAM
Acho gozado esse seus números.
Você também não diz que as mulheres são responsáveis por oitenta por cento dos
problemas que um homem tem na vida. Se você estiver usando o ‘sujeitinho’
direito, as mulheres estão nesses noventa por cento, não tão não?
ALAOR
Isso depende da situação. A
diversão geralmente é na cama, já os problemas são na vara de família.
MIRIAM
Alaor você tem noção do que está
dizendo? Quer dizer...atualmente você não tem noção nem do que tá fazendo...
ALAOR
É o desespero Miriam. Se for preciso eu acredito até em
duende. Vai, vamô.
Eles vão pra cama.
MIRIAM
Você devia procurar um
psiquiatra, isso sim.
ALAOR
Psiuuu...
MIRIAM
Que foi?
ALAOR
To me concentrando...
Apagam a luz. Tempo.
ALAOR
Olha só! Ta ouvindo?
MIRIAM (Voz de sono)
Ouvindo o que?
ALAOR
Som de atabaque.
MIRIAM
Claro que não! Me poupe! Deixa eu
dormir.
ALAOR
Mas é incrível. Estou ouvindo claramente. Está me dando uma
coisa esquisita. Miriam... (Ela dorme)
Miriam... Acho que estou meio zonzo. É
essa música... (Entra num crescendo
música de umbanda, marcada por atabaque) Mi...Miriam...
Cessa música, luz que representa
sonhos de Alaor.
ALAOR (Levantando)
Meu Deus! É o sonho! Só pode ser!
Efeitos luminosos no canto onde
Bráulio vai surgir.
ALAOR
É o caboclo! Veio falar comigo pessoalmente. E agora? Como
vou explicar que ainda não consegui a galinha preta!
Surge Bráulio. Um ator fantasiado
de pênis. Apesar de ser um pênis a
postura de Bráulio é sempre desprovida de malícia e principalmente de qualquer
sensualidade. Ele é sempre formal e
cerimonioso.
ALAOR (Espantado)
Quem é você?
BRAULIO
Como quem? Sou aquele com quem
quer falar.
ALAOR
É... o... como vou dizer....
BRAULIO
Pode me chamar de Bráulio.
ALAOR
Eu ia dizer peru.
BRAULIO
Peru é aquela ave que se come no
Natal. A comparação que se faz conosco é
extremamente injusta. Poucas aves são
tão feias. Se a questão é comparar, eu
acho que estaria mais de acordo um...digamos...pavão.
ALAOR
Vê-se logo que você é bem
modesto. Mas então você é mesmo... pra
valer?
BRAULIO
Exatamente.
ALAOR
Pois eu tenho uma coisa pra te
dizer.
BRAULIO
O quê?
ALAOR
Seu miserável!
BRAULIO (Tomando um susto)
Como?!
ALAOR
Isso que ouviu! Seu incompetente!
Por tua causa cai numa situação humilhante, vexatória!
BRAULIO (Sentido)
Então foi pra isso que me chamou
aqui? Para me ofender?
ALAOR
Não! Foi pra isso que te mandaram
aqui! Eu exijo uma explicação! Agora! Nesse instante! Imediatamente!
BRAULIO
Mas eu nem sei do que estou sendo
acusado.
ALAOR
De incompetência! De fazer corpo
mole em pleno serviço!
BRAULIO
Não foi minha culpa senhor,
faltou pressão sanguínea no corpo cavernoso. Era impossível conseguir alguma
rigidez.
ALAOR
Cinco vezes seguidas?
BRAULIO
Cinco?! Mas foram sós
quatro. No sábado a pressão chegou a
quarenta por cento.
ALAOR
Grande porcaria! Ficou
consistente feito um molusco!
BRAULIO
Não foi minha culpa, entenda.
ALAOR
Como não? Foi culpa de quem?
BRAULIO
Deve ser o stress. O senhor anda trabalhando muito ultimamente.
ALAOR
Miserável... ouviu a Miriam dizer
isso e agora fica repetindo... e depois foi você! Você quem me deixou
estressado.
BRAULIO
Eu senhor?! Mas eu me esforço ao
máximo para servi-lo.
ALAOR
Assim? Feito gato de depósito,
dormindo em cima do saco?
BRAULIO
Mas não foi minha culpa, já
disse.
ALAOR
Como não? Como não? Não sei onde
estou com a cabeça que não lhe parto a cara aqui mesmo!
Bráulio tem uma crise de choro.
Tudo nele é exagerado e sentimentaloide.
ALAOR
Perde seu tempo se pensa que esse
choro me comove. O que fez não merece perdão.
BRAULIO
Mas eu não fiz nada. (Soluça) não foi minha culpa... é que na
hora eu fiquei apavorado...
ALAOR
Nem precisa dizer com o que ficou
apavorado,
BRAULIO
Não senhor, não. De jeito nenhum!
Afinal essa é a essência do meu ofício.
ALAOR
Ofício?! Sei. Sendo assim, eu
diria que o senhor a dias não comparece ao trabalho. Aliás, já está se
configurando abandono de emprego. E depois, mate minha curiosidade, me
diga. Com o que você ficou apavorado?
BRAULIO (Olhando em volta como
que temendo ser ouvido)
Com a tesoura.
ALAOR
Tesoura? Que tesoura?
BRAULIO
A tesoura que sua mulher guarda
no criado mudo.
ALAOR
Ela não guarda tesoura nenhuma
ali.
BRAULIO
Guarda sim. É uma tesoura novinha,
nunca foi usada.
ALAOR
Não tem tesoura nenhuma, já
disse. Se tivesse eu já teria visto.
BRAULIO
Tenho sim, eu garanto.
ALAOR
Não, não tem. Mas e se tivesse?
Qual o problema?
BRAULIO
Lembra do que aconteceu com
aquela amiga dela, a dona Alzira?
ALAOR
Lembro. Ela cortou o pênis do namorado com uma...tesoura.
BRAULIO
Sabe quem deu essa tesoura pra
sua mulher?
ALAOR
Quem?
BRAULIO
Ela.
ALAOR
Não é possível! Eu não acredito
no que estou ouvindo. Além de mole, além de flácido, é mentiroso!
BRAULIO
Mas é verdade!
ALAOR
Você está insinuando que a
Miriam..a Miriam...
BRAULIO (Aflito)
Não percebe o risco que estamos
correndo?
ALAOR (Indo atrás dele como se
fosse agredi-lo. Bráulio foge)
Só dando na cara de um desgraçado
desses! Vem cá! Seja homem ao menos pra apanhar!
BRAULIO
Piedade! Piedade!
ALAOR
Piedade peço eu! Piedade peço eu!
BRAULIO
Mas...
ALAOR (interrompendo)
Não tem mais nem meio mais.
Amanhã sem falta eu vou, como se diz, cumprir as minhas obrigações de
marido. Amanhã! E você, seu incapaz, seu
incompetente, seu inútil, vai cumprir a parte que lhe cabe.
BRAULIO
Mas senhor...
ALAOR
Silêncio! Sem desculpas! Não
quero mais ouvir falar nessa estória de pressão sanguínea, corpo cavernoso,
tesoura. Estamos entendidos?
BRAULIO (Cabisbaixo . Ar de
criança ofendida)
Sim senhor.
ALAOR (Irado)
E levanta essa cabeça pra falar
comigo! Pelo amor de Deus! Entendeu o que eu disse?
BRAULIO
Perfeitamente, senhor.
ALAOR
Pois muito bem.
BRAULIO
Posso me retirar agora?
ALAOR
Pode.
Efeitos luminosos. Bráulio sai.
Alaor volta para a cama. Sai luz dos sonhos.
ALAOR (Acordando)
Miriam! Miriam!
MIRIAM (Acordando)
Que foi?
ALAOR
O sonho! Eu tive o sonho! Tudo se
esclareceu!
MIRIAM
La vem você de novo... deixa eu
dormir...preciso sonhar também...
ALAOR
A gente não podia dar uma
tentadinha?
MIRIAM
Amanhã...
ALAOR
Mas Miriam...
MIRIAM
Paro! E depois você teve o sonho
agora, vai ver a mágica ainda nem está funcionando.
ALAOR
É. Acho que tem razão. Vamos
deixar pra amanhã. Nossa! To tão
emocionado, mal posso esperar para ter uma ereção. Periga eu arrancar o lustre do teto.
MIRIAM
Nós não temos lustre Alaor.
ALAOR
Ah é... Puxa vida...a gente podia
comprar um.
MIRIAM
Boa noite Alaor.
Indicação de passagem de
tempo. Noite seguinte. Alaor com um canudinho nas mãos cheira um pó
na mesa. Age como um drogado. Miriam entra e o flagra enquanto aspira o pó.
MIRIAM (Horrorizada)
ALAOR!
ALAOR
Que foi?
MIRIAM
Eu até entendo que esteja
deprimido, mas nada justifica que chegue a esse ponto!
ALAOR
Mas que ponto, Miriam?
MIRIAM
Você está cheirando cocaína!
ALAOR
Mas que cocaína coisa nenhuma! É Viagra.
Triturei e to cheirando pra ver se o efeito vem mais forte.
MIRIAM
Viagra?!
ALAOR
Claro. Mas a propósito do que
disse, será que ajudava se eu colocasse um pouco de pó de mármore?
MIRIAM
Vamos deixar a loucura um pouco
de lado. Você tem que passar amanhã sem falta na Eletropaulo. (Puxa um papel da bolsa) olha só quanto veio
de luz.
Alaor a agarra pela cintura
joga-a nos ombros e a leva para cama.
MIRIAM
QUE ISSO?
ALAOR (Jogando-a na cama)
Vamô trepa!
MIRIAM (Levantando)
Que isso? Tenha modos! A época
das cavernas já passou. Apesar da maioria dos homens nem ter notado.
ALAOR
Vamos deixar as sutilezas de
lado, volta pra cama já.
MIRIAM
Tá doido tá? E depois seu olho ta aceso. Andou bebendo?
ALAOR
Nada de mais. Eu passei numa casa do norte e tomei uma
garrafada de catuaba com jurubeba, comi uma porção de ovos de codorna, uma de
amendoim e duas caracus com ovo de galinha.
Aliás... (Põe a mão no estômago) você não teria um sal de frutas?
MIRIAM
Me poupe Alaor.
ALAOR
Vamô logo, vai. Não aguento esperar nem mais um minuto.
MIRIAM
Só se prometer tomar
providências.
ALAOR
Ué?! Não é o que estou propondo?
MIRIAM (Mostrando a conta de luz)
É da conta de luz que estou
falando. Olha só o absurdo! Amanhã sem falta você vai reclamar.
ALAOR (Sem dirigir sequer um
olhar para a conta)
Tá, ta, ta bom. Agora vamô.
MIRIAM
Deixa eu descansar um pouco. To chegando do trabalho agora. To morta...
ALAOR
Não interessa! Não quero saber de
desculpas, eu exijo que cumpra sem resistências os seus deveres de esposa!
MIRIAM
E o senhor por acaso anda fazendo
isso?
ALAOR (Magoado)
Mulher é bicho cruel... mulher é
bicho sem coração, é bicho sem sentimento...é bicho desumano....mulher não é
gente!
MIRIAM
Ta,ta,ta bom! Mas sem o hino do Corinthians por favor. A
vizinhança andou reclamando. Vamos fazer as coisas civilizadamente.
ALAOR
Como quiser.
Ele a agarra do mesmo jeito
anterior e a joga na cama.
MIRIAM
Alaor!
Ele apaga a luz.
ALAOR
Você pode até achar que é
exagero, mas me sinto como um cego que após anos de escuridão volta a enxergar
novamente.
MIRIAM
Teu mal é esse. Cria expectativas demais, depois... quando a
coisa não da certo...
ALAOR
Vá de retro! Eu não quero nem cogitar essa possibilidade.
Pronta?
MIRIAM
Pronta. Mas lembre-se: você não é um marinheiro
turco.
Som de preliminar amoroso.
Gemidos e gritinhos.
ALAOR
Agora vai! To sentindo que vai! Ta
me dando um fogo por dentro. Deve ser a catuaba.
MIRIAM
Aí Alaor, queria tanto que você
ficasse bom... to tão necessitada...
ALAOR
Pois seus dias de privação
acabaram. Uma era de fartura se anuncia
no horizonte!
MIRIAM
Isso! Pensa numa coisa positiva,
pra cima. No obelisco do Ibirapuera!
ALAOR
To pensando! To pensando!
MIRIAM
Pensa na torre da Globo na
Avenida Paulista!
ALAOR
Tô pensando! Tô pensando!
MIRIAM
Pensa no Minhocão serpenteando
pelos prédios da cidade!
ALAOR
Tô pensando! Tô pensando!
MIRIAM
Pensa no metro entrando no túnel,
depois saindo, depois entrando...
ALAOR
To pensando! To pensando!
MIRIAM
Então? Conseguiu?
Tempo. Silêncio.
MIRIAM
Alaor. Você conseguiu?
ALAOR (Decepcionado)
Você já pensou em adquirir um
vibrador elétrico?
MIRIAM
Ai Alaor...
ALAOR (Choroso)
Eu pago! Faço questão! O melhor
que tiver. Sem economia. Sabe aquele que tem uma luzinha na ponta e que toca
uma musiquinha? Se quiser eu compro amanhã mesmo. Faço questão de te dar aquilo
que você quer... ainda que de plástico.
MIRIAM
Para de ficar se martirizando.
Você devia procurar um médico.
ALAOR
Médico?! O máximo que ele tem pra
mim é Viagra! Que tomei a dois minutos atrás! O que eu devia era colocar uma
prótese de silicone e jogar esse miserável pros cachorros! Traidor! Mas
ele vai se ver comigo, ora se vai!
MIRIAM (Não entendendo)
Do que diabos você está falando?
ALAOR
Nada, nada.
Miriam
Você quer um calmante?
ALAOR
Prefiro veneno!
MIRIAM
Veneno não tem. Por que não
experimenta comer umas folhinhas de comigo-ninguém-pode?
ALAOR
Não é hora pra brincadeiras
Miriam. A coisa é séria, a coisa é triste, a coisa é sofrida. (Pega a conta de luz no criado mudo) O quê?
MIRIAM
Não te falei que a conta veio
alta?
ALAOR (Exageradamente indignado)
Mas que disparate! Onde vamos
parar! O que eles estão pensando? Que eu
tenho um torno na sala e to fornecendo peças pra Volkswagen?
MIRIAM
Calma Alaor. Também não precisa se enervar dessa maneira.
ALAOR
Como não? Como não? É um complô
pra me enlouquecer! Quando não é a conta que sobe é o meu pênis que cai! Ai meu
Deus... ( Chora)
MIRIAM (Consolando-o)
Não fica assim vai... Você vai
melhorar, vai ver.
ALAOR
Eu devia enfiar esse miserável na
tomada. Quem sabe assim a conta também
diminuía....
MIRIAM
Vamos fazer o seguinte. Amanhã eu vou com você ao médico.
ALAOR
Não adianta. Se nem o Viagra resolveu...nem a
catuaba... eu tô perdido...e se nunca
mais tiver uma ereção? Se tiver mesmo
que colocar uma prótese de silicone? Você vai gostar de mim assim mesmo Miriam?
Vai ser igual transar com o tubo de desodorante... ( Coloca a conta no criado
mudo)
MIRIAM
Deixa de besteira, Alaor. Meu Deus como você é bobo.
Alaor tira perplexo uma enorme
tesoura do criado mudo.
ALAOR (Assustado)
MAS O QUE É ISTO?
MIRIAM
Ora... uma tesoura...
ALAOR
Mas quem te deu?
MIRIAM (Desconcertada)
...Ninguém. Eu comprei.
ALAOR
Mas então havia mesmo uma tesoura,
eu que não acreditei. Comprou pra quê?
MIRIAM
Ora... pra quê eu compraria uma
tesoura senão pra...cortar.
ALAOR (Levando as mãos as partes
baixas)
Aí meu Deus!
MIRIAM
Que isso, Alaor?
ALAOR (Se esquivando)
Afaste-se de mim!
MIRIAM
Que que há afinal?
ALAOR
Você sabe muito bem! Você é uma
seguidora da Alzira!
MIRIAM
O quê?
ALAOR
Isso que ouviu! Você não comprou
a tesoura, foi ela quem te deu!
MIRIAM (Após algum tempo,
confusa)
E foi mesmo. Quem te disse?
ALAOR
Foi ...o ...o... Não interessa!
Mentiu pra quê?
MIRIAM
Ora pra quê... Pra você não ficar
mais cismado do que já está.
ALAOR
Será? Será?
MIRIAM
Claro. Você não acha que eu seria capaz de cortar essa...
Essa coisa aí?
ALAOR
E por que não? O namorado da
Alzira também nunca imaginou, até acordar e ver o próprio pênis em cima de um
criado mudo.
MIRIAM
Francamente Alaor. Que motivos eu
teria pra fazer uma coisa dessas? Nós
nos damos tão bem.
ALAQOR
Eu é que pergunto: que motivos eu
te dei pra fazer uma coisa dessas? Nós nos damos tão bem?
MIRIAM
Mas eu não quero!
ALAOR
E a tesoura?
MIRIAM
A tesoura foi a Alzira quem me
deu. Não vou negar. Depois eu soube que ela pretendia decepar o namorado com
ela. Mas acabou achando pequena e
comprou uma maior. Nesse meio tempo ela
me deu.
ALAOR (Abrindo a tesoura)
Achou pequena? Decididamente
vocês sabem como ferir um homem ...
MIRIAM
Vocês uma vírgula! Só faz isso
quem perde o juízo.
ALAOR
Você jura que nunca apensou nisso?
Por tudo que há de mais sagrado?
MIRIAM
Juro.
ALAOR
Pela alma da sua mãe? Olhe lá, o
pênis de um homem não vale a alma de uma mãe.
MIRIAM
Juro pela alma da minha mãe,quero
ver ela mortinha se estiver mentindo.
Acredita em mim agora?
Alaor se cala indeciso.
MIRIAM
Deixa de ser bobo Alaor. Alguma vez na vida você me viu tomar alguma
atitude irracional?
ALAOR
Ta... ta bom. Eu acredito em você. Claro! Não tem o menor sentido, não sei onde
estou com a cabeça... aliás eu até sei...
MIRIAM
Então me dá a tesoura.
ALAOR (surpreso)
Pra quê?
MIRIAM
Pra demonstrar que realmente
confia em mim. Anda! (Estica a mão ) Me dá aqui.
Alaor vacila e não entrega.
MIRIAM
Ta vendo? Ta se borrando de medo.
ALAOR
Mas que se borrando o que? Que
besteira. Toma (Entrega a tesoura ) Mas vê se dá um fim nesse negócio. É um
objeto maligno, voltado pro mal.
MIRIAM (Com a tesoura)
Ainda bem... Nem precisou usar a
camisa de força... por enquanto.
ALAOR (Deitando na cama)
Tô quebrado. Parece que fui
atropelado por uma manada de elefantes.
MIRIAM
Dorme um pouco, assim relaxa. Vou
guardar esse negócio na gaveta, depois eu do fim nele. (Guarda)
ALAOR
Acho que vou dormir mesmo. Me acorde daqui a uma hora.
MIRIAM
Ta bom , durma com os anjos.
Tempo. Alaor parece dormir. Miriam o olha com ar
sorrateiro de quem está em vias de fazer alguma coisa.
MIRIAM (Falando baixo para ver
se ele está mesmo dormindo) Alaor... (Ele não responde) Alaor...
Ele se vira na cama. Miriam vai lentamente em direção a gaveta e
pega a tesoura. Alaor se mexe, ela para,
espera mais um pouco. Suspense. Ela abre a enorme tesoura. Aproxima-se dando a impressão que vai mesmo
decepá-lo. Com a mão desocupada (sem a tesoura) ela o cutuca na barriga.
MIRIAM
CORTEI!!
Alaor acorda em pânico. Pula da
cama apavorado.
ALAOR
Ai meu Deus!
MIRIAM
Agora é tarde! (Expõe a tesoura) Cortei o moloide ! Tá aqui comigo (Refere-se a mão escondida) Amanhã vamos
ter feijão com paio.
ALAOR
Pelo amor de Deus Miriam, se não
demorar dá pra reimplantar!
MRIAM
Pra quê? Não funciona mesmo.
ALAOR
O que você quer que eu faça? Só
tenho esse!
MIRIAM (Satírica)
Eu compro outro pra você amor.
Daqueles que tocam musiquinha e tem uma luzinha na ponta. O seu nem apitar apitava.
ALAOR (De joelhos)
Por piedade! Me devolve!
MIRIAM
Olhe que dou pros cachorros!
ALAOR
Nããããooo!!! Eu faço o que você
quiser, me devolve! Não sabe como isso é importante pra um homem!
MIRIAM
Pras mulheres também, lembra? Mas
tá bom, eu devolvo. Toma!
Ela abre a mão e Alaor constata
que ela está vazia.
MIRIAM (Rindo)
Ta vendo, seu tonto?
ALAOR (Procurando atrás dela, no
chão, ao redor)
Você perdeu ele!!
MIRIAM (Exasperada)
Mas que perdeu o quê? Eu não
cortei coisa nenhuma, tenha dó Alaor.
ALAOR
Não?!
Leva a mão as partes. Fica de
costas para o público e olha dentro da calça.
MIRIAM
Ta faltando alguma coisa?
ALAOR
Ta louca? Quer me matar do
coração?
MIRIAM
Isso é pra pagar as barbaridades
que você me disse. Agora espero que tenha certeza. E amanhã sem falta o senhor vai comigo ao
médico.
ALAOR
De preferência num cardiologista.
(Leva a mão ao peito) Depois do susto que levei vou ter mais de um órgão
dando defeito.
MIRIAM (Indo pra cama)
Agora vamos dormir, já estou
vingada.
ALAOR
Mas eu não! O miserável vai se
ver comigo! (Vai para cama também )
MIRIAM
Que ‘miserável’ Alaor?
ALAOR
Não é nada. Aliás, eu posso dormir tranqüilo agora ou
seria melhor usar uma cueca de ferro?
MIRIAM
Pode dormir tranquilo ,não vou
molestar o falecido...e vice-versa.
ALAOR (Irritado com o comentário)
Pois saiba que a primeira coisa
que vou fazer, assim que ficar curado é arranjar uma amante!
MIRIAM
Eu também. Se você não ficar.
ALAOR (Chocado)
Como é que é? Eu faço uma loucura
Miriam!
MIRIAM (Sensual)
Ai...eu também...
ALAOR
MIRIAM!
MIRIAM (Puxando-o para junto
dela)
Eu tô brincando, bobão... Vai dorme.
ALAOR
Brincando...sei... Como diz o
ditado: O ingrato esquece mil refeições que se passaram e reclama daquela que
faltou.
MIRIAM
Tem também um ditado que diz: Em
casa que falta comida, todo mundo briga e ninguém tem razão.
ALAOR (Ressentido)
Boa noite Miriam.
MIRIAM
Boa noite Alaor.
Tempo. Entra luz dos sonhos de Alaor acompanhada
pelo som de atabaque. Alaor levanta.
Efeitos luminosos no canto onde Bráulio vai surgir.
ALAOR (Referindo-se aos efeitos
luminosos)
Para! Pará já com isso! Paro! (Cessam
os efeitos luminosos) Ta parecendo show
de transformista! Só ta faltando imitar a Maria Betânia. Entre feito um homem.
Chispa já pra cá! Chispa! Chispa!
Bráulio põe a cabeça em cena
timidamente. Ar hesitante.
BRAULIO (Entrando)
Se for pra brigar comigo, fale
que eu volto daqui mesmo.
ALAOR
É impressionante! Se eu que sou
um heterossexual convicto tenho um assim, imaginem como seria aquele que a
Roberta Close mandou cortar.
BRAULIO
Este senhor há de queimar na
região mais quente do inferno por isto! Este senhor não é e nem nunca será
aquilo que imagina ser!
ALAOR
Que explicação tem pra me dar?
BRAULIO
Foi o trauma. Estou traumatizado com aquilo que a senhorita
Alzira fez.
ALAOR
Mas não foi com você!
BRAULIO
Mas poderia ter sido! O senhor
mesmo temeu que a senhora Miriam tivesse me decepado.
ALAOR (Enfático)
Sob influência sua! Me deixei
levar pelos seus delírios, pela sua paranóia.
Bráulio faz cara de choro.
ALAOR (Pega o chinelo ameaçando
bater nele)
Experimenta! Experimenta chorar
pra você ver! Eu te mostro como é que se chora com motivo, seu fresco!
BRAULIO
Mas eu estava certo. Ela tinha mesmo a tesoura. E dada pela
assassina!
ALAOR
Mas que assassina? Ninguém
morreu!
BRAULIO
Meu companheiro de armas morreu!
Um irmão... um igual...
ALAOR
Só que ele morreu no exercício
das suas funções, tombou no calor da batalha feito um herói. Enquanto você não
passa de um desertor! De um covarde que foge diante de um perigo imaginário!
BRAULIO
Nós somos criaturas indefesas
senhor. Não temos como nos proteger. Que posso eu contra uma tesoura afiada? As
mulheres não são mais como eram antigamente. Agora nos encaram como um mal
necessário e muitas, como a senhorita Alzira...cortam o mau pela raiz .
ALAOR
Mas foi a Alzira! A Miriam não
tem nada a ver com isso. Ela jamais faria uma coisa dessas. Teve toda chance do
mundo não teve?
BRÁULIO
É possível que hoje não passe
pela cabeça dela, mas e amanhã e depois? Cedo ou tarde esse dia vai chegar.
ALAOR
Ah é? E você sugere o que então?
BRAULIO
Abstinência sexual.
ALAOR
O quê?
BRAULIO
Isso que ouviu. O sexo não é tudo
na vida. O senhor pode substituí-lo pelos dons de espírito. Quem sabe a pintura ou mesmo a música. Já
ouviu falar em macrobiótica?
ALAOR (Incrédulo)
Macrobiótica...
BRAULIO
O tempo vai mostrar que tenho
razão. O senhor ainda há de me agradecer.
ALAOR
Agradecer?! Chego a lamentar não
ter casado com a Alzira!
BRAULIO (Horrorizado)
O senhor não tem noção do que
está dizendo!
ALAOR
Você é um imprestável! Um inútil!
Um peru com alma de galinha!
BRAULIO
Como ousas me comparar a essa ave
ridícula? Não estou aqui para ser ofendido.
ALAOR
Pois sua presença tornou-se
dispensável! Junte tudo que é seu, se é que tem alguma coisa, e rua!
BRAULIO (Chocado)
O que? Está me mandando embora?
ALAOR
Exatamente! Fora daqui! Vá se ocupar da macrobiótica no
raio que o parta!
BRAULIO (Choroso)
Nunca fui tão humilhado em toda
minha vida...
ALAOR
Foi sim! Lembra na escola, quando
eu ia no mictório e toda classe vinha atrás? Dos trinta alunos, eu é que tinha
o pinto menor. Esse tamanho de agora é por conta da mandinga do
Caboclo, seu subdesenvolvido, seu minúsculo!
E pensar que cheguei até a fazer exercício pra ver se você crescia um
bocadinho... Agora percebo a verdade, por trás da minhoquinha se escondia uma
serpente pronta pra me envenenar!
BRAULIO
As minhas intenções sempre foram
as melhores.
ALAOR
Mas nunca foram as maiores. Agora
rua! Ponha-se daqui pra fora! Como dizia Fernando Pessoa: é melhor não ter do
que ter um assim!
BRAULIO
Eu vou. Antes que me ponha pra
fora a ponta-pés...
Bráulio tira de baixo da cama uma
trouxinha de roupas amarrada num pedaço de pau, semelhante ao que se usa em
desenho animado para indicar que o personagem vai embora. Olha para Alaor com ar de grande mágoa. Alaor
mostra-se irredutível. Bráulio coloca a
trouxinha nas costas.
BRAULIO
Se não me querem aqui... vou-me
embora...
ALAOR
Vá! Só não diga que saiu com a
cabeça erguida porque esse não é o caso.
BRAULIO
Eu vou... vou para nunca mais
voltar...
Dá uma olhadinha para Alaor para
ver se ele mudou de ideia.
BRAULIO (Apelando para chantagem
emocional)
Eu vou. Quem sabe lá fora eu encontre alguém que me
queira de verdade. Apesar de já ser de madrugada, em meio ao frio, a chuva ...
ALAOR (Indiferente)
Está calor e não está chovendo.
BRAULIO
Mas vem vindo uma frente fria.
ALAOR
Veste uma camisinha de lã e segue
pelas marquises. Quem sabe consegue um lugarzinho no albergue da prefeitura.
BRAULIO
Adeus então...
ALAOR (Bocejando)
Adeus.
BRAULIO
Eu tenho certeza de que vou
encontrar alguém que me queira.
ALAOR
Tem muita mulher por aí querendo
virar homem. Quem sabe uma delas se
contente com o pouco que você pode lhe dar.
BRAULIO
Vou... mas vou com ...
Alaor olha feio para ele. Bráulio
se cala. Se dirige para saída hesitante. Alaor permanece indiferente.
BRAULIO
Adeus... até nunca mais...
Dirige-se para fora
lentamente. Entra a musica Meu mundo
caiu da Maysa. Ele sai, cessa a música.
ALAOR (Voltando para cama)
Esse teve o castigo que mereceu.
Estamos vivendo na era da qualidade total. Ta pensando o quê? Não dá mais pra
deixar o cliente no prejuízo, pra sobreviver no mercado só com ISO-9000.
Calhorda...
Alaor se ajeita e dorme.
Indicação de passagem de tempo. Toca despertador. Miriam acorda.
MIRIAM
Acorda! Vamô logo. Temos que ir
ao médico. Nem sei se ele atende sem marcar consulta.
ALAOR (Voz de sono)
Deixa pra mais tarde... tive uma
noite horrível...
MIRIAM
Não senhor. É pra agora. Vai
levanta. Não vou te deixar dormir.
ALAOR
Ai meu Deus...
Ele levanta e vai com passo lento
ao banheiro.
MIRIAM
Onde vai?
ALAOR
No banheiro.
Ele sai. Miriam levanta e pega a
agenda.
MIRIAM
Vou tentar o Dr.Rubens, pelo
menos é gente conhecida. Tem também aquela bendita conta de luz. Na volta a
gente vê isso também. Não to achando o telefone...
ALAOR (Gritando no banheiro)
Aaaaaahhhh!!!!
MIRIAM (Assustada)
Que isso?
Alaor entra em cena. Cara de espanto.
Segura nas partes intimas.
ALAOR
Aí meu Deus! Aí meu Deus! Aí meu
Deus do céu!
MIRIAM
Mas o que foi? Quer me matar do
coração? Que foi?
ALAOR
Su-su-sumiu! Ele sumiu! Aí meu
Deus! Aí meu Deus! Aí meu Deus do céu!
MIRIAM
Sumiu o quê?
ALAOR
O BRAULIO!
MIRIAM
Bráulio?! Quem é esse Bráulio?
ALAOR (Fala baixinho)
Meu pênis...
MIRIAM (Não ouvindo)
O seu o quê?
ALAOR
Meu pênis...
MIRIAM
O seu o quê? Fala alto!
ALAOR
MEU PINTO SUMIU!!!
MIRIAM
Sumiu? Você quer dizer caiu.
ALAOR
Isso foi antes. Agora ele sumiu
mesmo! Aí meu Deus do céu!
MIRIAM
Mas você enlouqueceu de vez? Ta certo que o sujeito anda meio recolhido,
mas sumir já é demais...
ALAOR
A culpa é minha... Não devia ter
falado com ele daquele jeito...
MIRIAM
Falado? (Vai ampará-lo) Senta
aqui na cama. Calma. Vai ficar tudo bem.
Senta aqui e relaxa porque você ainda não acordou direito.
Alaor senta-se na cama com as
mãos na mesma posição.
ALAOR
Eu não imaginei que fosse pra
valer! Eu não imaginei! Ele foi embora Miriam!
MIRIAM
Calma... calma... Procure relaxar
e diz assim: eu estou dormindo, mas vou acordar. Vou despertar e um lindo dia
vai nascer.
ALAOR
Não adianta Miriam! Ele sumiu!
Ele sumiu!
MIRIAM
Chega! Parou! Eu vou te mostrar
que é loucura da sua cabeça. Levanta!
ALAOR
Pra quê?
MIRIAM
Levanta!
Ele levanta.
MIRIAM
Agora deixa ver aí dentro. Deixa eu ver se ta mesmo
faltando alguma coisa.
ALAOR
É pra já!
Ele puxa o pijama. Miriam dá uma
olhada lá dentro, e corre para o canto oposto do quarto gritando.
MIRIAM
Aaaaaahhhh!!! Ai meu Deus.... Ele
sumiu!
ALAOR
Eu não falei?
MIRIAM
Como é que pode uma coisa dessas?
Não é possível... Depressa! Vamos procurar, ele deve ter caído em algum
lugar. Tem certeza que não perdeu na
rua?
ALAOR
Claro!
MIRIAM
Vamos olhar embaixo dos lençóis,
embaixo da cama!
Os dois vasculham a cama e os
arredores atabalhoadamente.
ALAOR
Procura na cozinha, eu termino
aqui.
Miriam sai. Alaor vasculha o
quarto.
ALAOR ( Fazendo figa, ar de
adoração )
São Longuinho, São Longuinho, me
ajude a achar meu pintinho que eu dou três pulinhos.
Miriam volta.
ALAOR
Achou?
MIRIAM
Não.
ALAOR
Mas deve estar por aqui, vamos
vasculhar cada centímetro.
MIRIAM
Mas eu vi uma coisa estranha... na
cozinha...
ALAOR
O quê?
MIRIAM
Não... não deve ser nada.
ALAOR
Viu o quê? Fala de uma vez!
MIRIAM
A porta do microondas estava
aberta.
ALAOR
Microondas?! Como assim?
MIRIAM
Tava aberta. Tinha alguma coisa
lá dentro. Nem cheguei a ver o que era. Só isso.
ALAOR
Aí meu Deus... ele se matou!! Ele
se matou!!
Cai na cama chorando.
MIRIAM
Que isso Alaor, não vamos pensar
no pior. Eu vou lá ver. (Sai)
ALAOR
O que vai ser me mim? (Chora)
MIRIAM (Voltando)
Alaor.
ALAOR (Se escondendo sob as
cobertas)
Eu não quero ver! Eu não quero
ver! Enrole o que sobrou do pobre coitado no meu lenço de linho. Vou mandar
enterrar no jazigo da família.
MIRIAM
Não tem nada lá. Só o cachorro quente que você esqueceu ontem.
ALAOR
Tem certeza?
MIRIAM
Claro. Não está lá.
ALAOR
Você olhou no meio do pão?
MIRIAM
Tenha paciência Alaor. Vamos
raciocinar, essa situação absurda tem de ter uma explicação lógica.
ALAOR
E tem! Foi a macumba que fiz no
terreiro! Foi o despacho. Ele me apareceu em sonho, o pobre estava traumatizado
com aquilo que a Alzira fez.
MIRIAM
Não é bem isso que se chama de
explicação lógica Alaor. Quando você diz “Ele”, está se referindo ao
desaparecido?
ALAOR
Ele mesmo. Pode parecer incrível
Miriam, pode parecer impossível, mas os pênis são capazes de pensar.
MIRIAM
E que bela ideia ele teve.
Primeiro brocha e depois desaparece! Se o órgão sexual feminino pensasse, teria
ideias melhores.
ALAOR
E a culpa é sua! Tudo começou por
causa daquela maldita tesoura!
MIRIAM
Minha?! A culpa é sua, que ao
invés de buscar auxílio na ciência foi mergulhar nas forças ocultas. Agora eu
quero ver o Caboclo trazer seu pinto de volta.
ALAOR (Aflito)
Por onde ele andará?Onde?
Blecaute. Luz no canto do palco
imitando faróis de um carro, som de freiada. Luz sobre Bráulio que toma um
susto com o carro.
MOTORISTA (Em off)
Saí da frente viado!!!
BRAULIO (Se refazendo do susto)
Homossexual é o senhor!
Blecaute. Volta luz sobre Miriam
e Alaor. Alaor enrolado na coberta com
ares de convalescente.
ALAOR
Uma semana Miriam. Uma semana...
MIRIAM (Maternal)
Calma Alaor, ele vai aparecer. O
delegado me garantiu que eles vão encontrá-lo.
ALAOR
Você fez o retrato falado?
MIRIAM
FIZ.
Alaor
Ficou parecido? Eles podem
confundir.
MIRIAM
Duvido que tenha mais de um pinto
andando solto pela rua. Se acharem será
o seu.
ALAOR (Desolado)
Claro, claro... Você tem
razão. Se ao menos a gente pudesse
espalhar esse retrato pelos postes da cidade, escrito embaixo: PROCURA-SE.
MIRIAM
Não dá Alaor, você sabe que não
dá. A Prefeitura proibiu terminantemente.
ALAOR
E o bendito Pai de Santo?
MIRIAM
Ainda não voltou da pescaria no
Mato Grosso. Sem contato. Só mesmo ele pode reverter essa situação.
ALAOR
Isso se não for tarde demais...
MIRIAM
Deixa disso vai... Não vamos
perder as esperanças. E depois nem tudo está perdido. Por acaso eu li num anúncio...
numa revista...assim, como vou dizer....
ALAOR
Que anúncio, fala duma vez.
MIRIAM
Era um anúncio de próteses de
silicone.
ALAOR
Nunca! Jamais!
MIRIAM
Mas o que é que tem? É coisa
ultramoderna, tem um com interface para web. Coisa moderníssima.
ALAOR
Claro! Assim pra ter uma ereção
basta você me mandar um e-mail! Meu pinto vai poder trepar e fazer busca no Google
ao mesmo tempo! (Anda de um lado para o outro aflito) Onde você colocou?
MIRIAM
Colocou o que?
ALAOR
O vaso com a Comigo-ninguém-pode!
Eu vou me matar!
MIRIAM
Eu imaginei que ia chegar nesse
ponto e dei o vaso.
ALAOR
Imaginou por quê? Ta sabendo de alguma
coisa que eu não sei?
MIRIAM
Claro que não. Sei o que você
sabe.
ALAOR
Mentira! Você está me escondendo
algo. Algo terrível! Já sei! Ligaram do IML ! Ele morreu!
Alaor tem uma crise histérica
do tipo que as ‘mocinhas’ dos filmes costumam ter. Miriam o esbofeteia do forma como os
‘mocinhos’ fazem.
MIRIAM
Se controla!
Alaor cai chorando na cama. Blecaute. Luz em Bráulio. Ele veste trajes de
mendigo. Ao lado dele um bêbado também vestido de mendigo.
BÊBADO
Cê ta me entendendo? Eu sou um
cara que ta onde ta, porque não quis ta onde estava antes. Sê ta me entendendo?
Eu sou vivo. No que eles acharam que eu ia , eu não fui. Aí quando eu fui, eles
nãos tavam mais lá pra saber que tinha
ido. Cê ta me entendendo. Não se pode vacilar. Nem parece, mas hoje até beber
eu bebi. Te juro! Quem me vê assim não diz. Ta vendo como é que é o negócio?!
Se eu te disser que to até meio bêbado, você vai dizer que to mentindo.
BRAULIO
De jeito nenhum... O senhor está
visivelmente embriagado.
BÊBADO
Mas ninguém percebe! Cê ta me
entendendo? Ninguém percebe. Quenem você. Sê sabe disfarçar. Quando eu te vi
pela primeira vez eu falei: Óia lá um pinto andando sozinho no meio da rua! É
por isso que a gente tem de conhecer as pessoas. Tem muita gente que tem cara
de bunda...e não é! Cê ta me entendendo? Agora a pouco nós cruzamos com uma
velhinha, sê parece que nem viu. Mas assim que passamô ela olhou pra você, deu
mais uns treis passos e caiu! Sei lá se ela não teve um enfarte. Cê ta me entendendo?
Blecaute. Ainda em
blecaute voz da repórter Adriana Flett falando ao gravador .
ADRIANA
Um ,dois, três , testando... Um,
dois, três, testando...
Luz sobre eles.
ADRIANA (Falando ao gravador)
Entrevista com o senhor Alaor
Pires Pimentel que está semana foi manchete nos jornais sensacionalistas, no
que ficou conhecido como o caso do pinto desaparecido. Senhor Alaor, a que o
senhor atribui esse desaparecimento?
ALAOR
Um desentendimento, uma diferença
de opinião. Na verdade um mal entendido que acabou assumindo proporções
trágicas...
Emociona-se. Miriam o ampara.
ADRIANA
O senhor então confirma que podia
conversar com o próprio pênis?
ALAOR
Na verdade nós discutíamos,
brigávamos mesmo. Hoje em dia, passando
por tudo que eu passei, reconheço que faltou compreensão da minha parte. Faltou... faltou amizade,
companheirismo... ele sempre esteve comigo nos meus melhores momentos...nos
momentos de alegria... eu não soube dar valor... (Se emociona)
ADRIANA
O senhor descarta a hipótese de
sequestro?
ALAOR
Recebi alguns telefonemas, mas eu
não acredito nisso.
ADRIANA
E que telefonemas foram esses?
MIRIAM
São trotes. Chegaram a pedir um
milhão de dólares para devolver o Bráulio, imagine. Sem falar nas brincadeiras
de mau gosto. Chegaram a mandar pelo
correio, um vidro de picles com um pênis de borracha dentro.
ALAOR
Quase tive um enfarte, dona
Adriana.
MIRIAM (Indignada)
O Alaor desmaiou e por pouco não
bateu a cabeça na quina da mesa! Essas pessoas não tem noção do resultado das suas
brincadeiras.
ALAOR
Desde então eu não atendo mais a porta,
nem telefone.
ADRIANA
O senhor deve estar a par do que
alguns jornais andaram publicando?
MIRIAM (Interrompendo)
Na verdade não está não. Algumas coisas eu preferi não mostrar.
ALAOR
Que coisas?
MIRIAM (Faz sinal para interromper a gravação)
É que alguns jornais dizem que
você é homossexual e cortou o próprio pênis de propósito e depois inventou essa
estória.
ALAOR (Indignado)
O quê? Miseráveis! Canalhas! Como
é que jogam uma mentira dessas nas costas de um homem de bem? Se tem alguma
dúvida, tragam as mães aqui que eu mostro se sou homem ou não!! (Para, pensa) Não agora...depois. Assim que
o Bráulio voltar. (Pensa outra vez, ar inseguro ) Seja lá quando for... (Ar
de quem contém o choro) Pensando bem... é melhor não trazer mãe nenhuma não...
Vai chorando para cama.
MIRIAM
Como vê dona Adriana, ele não
está em condições.
ADRIANA
É melhor pararmos por aqui. Mesmo porque tenho uma entrevista com um
escritor.
MRIAM
Seria o autor desse livro que
trouxe com você?
ADRIANA
Ele mesmo. (Mostra o livro a
Miriam, que o pega nas mãos)
MIRIAM
“ Só é corno quem quer.”
ADRIANA
Já leu?
MRIAM
Já.
ADRIANA
E o que achou?
MIRIAM
Um horror!
Blecaute. Luz sobre Bráulio e o
amigo bêbado. Bráulio está com óculos escuros, uma bengala branca e uma placa
de “ cego ” pendurada no pescoço.
BÊBADO
Vai. Faz do jeito que eu ensinei.
BRAULIO (Entoação de pedinte)
Uma esmola pelo amor de Deus. Uma
esmola por caridade a um pobre aleijadinho que tem o pai cego e a mãe doente.
BÊBADO
Não! Cego é você. O pai que é
aleijado e a mãe doente.
BRAULIO
Ah é! Não sei onde estou com a
cabeça. De novo: uma esmola pelo amor de Deus. Uma esmola por caridade a um
pobre ceguinho que tem o pai aleijado e a mãe doente. (Dirigindo o pote de
esmolas a pessoas imaginárias) Uma esmolinha senhora? Uma esmolinha moça, por
caridade?
BÊBADO
Não!
BRAULIO
Que foi agora?
BÊBADO
Se tu é cego, como sabe que tem
uma mulher aqui e uma moça acolá?
BRAULIO
Como é que vou esmolar então?
BÊBADO
Não adianta! Sê não leva jeito,
vamo acabar apanhando. E depois , desculpa dizer, mas até pra mendigar é
preciso ter boa aparência. Sê ta me entendendo? E tu tem uma cara de pica que nem
te digo... É de família isso? Mas deixa pra lá... O negocio é apelar pro outro
lado. Tem um amigo meu precisando de um ajudante. Coisa rápida, não leva nem
dez minutos.
BRAULIO
Só isso?
BÊBADO
Só. Vou te indicar pra ele. Pode ir sem susto que o
sujeito é camarada meu pessoa de confiança. A gente chama ele de Satanás.
BRAULIO (Apreensivo)
E dá pra confiar em alguém com um
apelido desses?
BÊBADO
Claro. Não to te falando? (Dá
uma pausa. Comprime os olhos como quem
tem dificuldade de enxergar. Volta os olhos para platéia intrigado. Olha para
Bráulio novamente)
BRAULIO (Estranhando)
O que foi?
BÊBADO
O diacho dessa minha vista! Não
sei o que ta acontecendo, eu olho pra você e vejo um pinto certinho. To tempo
demais sem beber. O organismo não aguenta, fico vendo coisa.
BRAULIO
Mas não faz nem cinco minutos que
você tomou uma cachaça no bar.
BÊBADO
Eu não! Aquela era pro Zé
Pilintra.
BRAULIO
Quem?
BÊBADO
O meu Exú de devoção. Aquela
cachaça era pra ele.
BRAULIO
Ué? Não tem que oferecer e jogar
no chão? Você foi direto bebendo.
BÊBADO
E o meu Exú lá é cachorro pra
catar as coisa no chão?!
BRAULIO
Ta certo, ta certo. Convicção religiosa é coisa que a gente não
discute.
BÊBADO
Por falar nisso, vamo logo que o
Satanás pode arranjar outro.
Blecaute. Volta para Alaor. Ele está sozinho andando de um
lado para outro, aparentando enorme ansiedade. Confere as horas.
MIRIAM (Fora de cena)
Alaor.
ALAOR
Até que enfim! Quer me matar de
ansiedade? O homem tava lá?
MIRIAM
Tava. (Ela entra em cena com os
mesmos objetos de umbanda que Alaor havia entrado anteriormente) Chegou do
Pantanal ontem. Que vergonha meu Deus... Cruzei com dona Hildebranda no
elevador com esse Kit Terreiro. Ela fez
de conta que nem me viu. O elevador lotado... Que humilhação... Mas vou logo
avisando: a galinha é você quem vai buscar!
ALAOR
Pô Miriam...a granja era
caminho...
MIRIAM
E você acha que eu vou andar por
aí com uma galinha embaixo do braço? Tenha dó? O pinto é seu, se quiser que vá
atrás.
ALAOR
Mas eu não posso sair na rua que
as pessoas ficam me assediando. Mas isto não interessa. Ele deu um jeito? O
Bráulio vai voltar?
MIRIAM
Bom... ele fez as suas mandingas.
E disse que em breve teremos notícias. Só não soube dizer se serão boas ou
ruins.
ALAOR (Assustado)
Como é que é?
MIRIAM
Não me peça explicações porque
isso ele não me deu. Mas ficou no ar que algo ruim pode acontecer. Acho melhor
se preparar.
ALAOR
Como assim? Ele não ia da um
jeito?
MIRIAM
Ele deu. Só que a garantia não é de cem por cento.
Quando muito sessenta.
ALAOR
To perdido! Vou passar o resto
dos meus dias fazendo xixi sentado.
MIRIAM
Não adianta entrar em desespero,
a coisa pode ter um final feliz. Aliás ...outro dia, meio sem querer...eu vi
você no banho e assim, sem o Bráulio, achei que ficou meio parecido com
uma...uma...
ALAOR (Olhando furioso para ela)
Se você completar essa frase eu
não respondo por mim! Se ousar completar essa frase eu parto pra agressão
física!
MIRIAM
Ta bom. Ta bom. Não precisa me
engolir! Eu retiro o que disse. Aliás , eu retiro o que nem cheguei a dizer. Se
o Criador concedeu aos homens a primazia
de fazer xixi de pé, devia ter dado a eles mais pontaria.
Toca o telefone.
MIRIAM (Atendendo)
Alô...é da residência dele sim,
quem ta falando?... Sei...Sei...Humm...
(Expressão séria) será que entendi direito... O senhor tem certeza?
...Sei... Eu entro, eu entro em contato. Pode ficar tranqüilo. (Desliga)
ALAOR (Aflito)
O que foi?
MIRIAM
O Bráulio foi visto. Foi reconhecido...
ALAOR
Onde? Por quem?
MIRIAM
Pela moça do caixa e o Gerente.
ALAOR
Moça do caixa?! Gerente?! Como
assim?
MIRIAM
O Bráulio assaltou um banco...
ALAOR
Ele o quê?
MIRIAM
Assaltou um banco. Era a polícia
no telefone.
Alaor desmaia. Miriam grita e corre para ampará-lo.
Blecaute. Volta para o Bêbado que está com uma garrafa de cachaça na boca,
dando a entender que bebeu até a última gota. Vira a garrafa de boca para baixo
para ver se ainda cai alguma coisa.
BÊBADO (Para garrafa)
Ta vendo? Acabei com todo mal que
tinha dentro de você.
Entra Bráulio em cena ao som de
sirenes da polícia. Ele está com um saco de dinheiro nas mãos e várias armas
penduradas pelo corpo: revólver, espingarda, metralhadora. Está amedrontado.
BÊBADO
Já de volta? Não falei que o
serviço era rápido.
BRAULIO
Só não falou que era pra assaltar
um banco!
BÊBADO
Mas é o único jeito, senão eles
não dão o dinheiro. Sê ta me entendendo?
BRAULIO
O gerente do banco ficou tão
chateado...
BÊBADO
Mas que puxa-saco. O dinheiro nem
é dele. O Satanás deu a nossa parte?
BRAULIO
Deu. Ta aqui. (Dá o saco pra ele) E me deu esse monte de armas e disse
assim: ‘ Toma Cara de Cacete! Distrai eles enquanto a gente foge.” Daí eu to
fugindo com a polícia atrás de mim. O Satanás não disse como é que eu ia
distrair eles. Nem contar piadas eu
sei...será que eles gostam de poesia?
BÊBADO (Olhando entusiasmado
para o saco de dinheiro)
Poesia?! Se eles gostam de
poesia?! Adoram! Principalmente o pessoal da PM. A Civil então nem se fala. Gente derretida, qualquer coisa chora.
BRAULIO
Será que eles gostam de Gonçalves
Dias?
BÊBADO
Isso! Isso! Vão adorar. Agora o amigo me desculpe mas já vou
indo. Com este dinheiro... (Olha fixo
para garrafa) ...eu vou combater o mau.
Som de sirene ao longe.
BÊBADO
Óia os homê aí? Fuiii....
Sai de cena. Som de sirene
aumenta.
BRAULIO
Pena eu não ter nenhum livro pra
segurar nas mãos. Ficava mais dramático. Já sei. (Saca um dos revólveres e
segura como se fosse um livro. Som de
sirene aumenta. Luz sobre ele imitando a
luz da viatura policial. Ar dramático) De Gonçalves Dias: Deprecação.
Tupã,ó Deus grande
Cobriste teu rosto.
Com denso velame de penas
gentis:
E jazem teus filhos
clamando vingança
Dos bens que lhes deste da perda infeliz!
Blecaute volta Alaor e
Miriam. Alaor está sentado na cama com
expressão de derrota. Miriam com o
charuto na boca, as guias de umbanda no pescoço e um saquinho numa das mãos.
MIRIAM
Pronto. Fiz tudo que o pai de santo mandou. Se der certo o Bráulio vai reaparecer
novamente e aí você joga esse pó sobre ele. Ele o fará retornar ao seu
lugar. Pelo menos foi o que o pai de
santo me disse.
ALAOR (Pega o saquinho e examina
o conteúdo)
Mas parece sal?
MIRIAM
E é sal.
ALAOR
Mas tem uma lenda que diz que se
você jogar sal no rabo de um passarinho, o rabo cai.
MIRIAM
Não são os seus ‘penachos’ que
estão em questão. E tem mais uma coisa, o Bráulio tem de estar de acordo, senão não funciona.
ALAOR
Eu vou convencê-lo, não se
preocupe. Só que primeiro nós vamos ter
de achá-lo. Estou com uma sensação
estranha. Como se estivesse em vias de ser alvejado por alguma coisa. Como é mesmo o nome daquele santo todo
flechado?
MIRIAM
São Sebastião.
ALAOR
Pois é. To me sentindo como ele...
antes....
Blecaute. Volta para
Bráulio. Ele está abaixado tentando se
proteger com uma tampa de lata de lixo. Som de sirenes e de tiros. Ele continua declamando o poema, só que aos
gritos para fazer frente aos tiros e sirenes.
BRAULIO
Teus filhos valentes,
temidos na guerra,
No albor da manhã quão
fortes os vi !
A morte pousava nas plumas
da frecha,
No gume da maça, no arco
Tupi !
Ele por fim foge saindo de cena.
Blecaute. Volta para Alaor e
Miriam. Mesma posição anterior.
ALAOR
To sentindo uma coisa esquisita,
quase mediúnica. Parece até que estou
ouvindo som de sirene... (Entra som de sirenes e de tiros. Som baixo, ao longe)
MIRIAM
Mas Alaor... Eu também estou
ouvindo. É lá fora.
ALAOR
Meu Deus! É o Bráulio! A polícia
está atrás dele!
MIRIAM
Ta maluco? Deve ser algum
assalto.
Ouve-se a voz de Bráulio em off,
declamando o poema.
BRAULIO (Off)
Descobre teu rosto,
ressurjam os bravos,
Que eu vi
combatendo no albor da manhã;
Conheçam-te os
feros, confessem vencidos
Que és grande e te
vingas, que és Deus, ó Tupã!
ALAOR
É ele mesmo! Não está
reconhecendo a voz?
MIRIAM
Mas que voz? Ultimamente nem o
trivial ele fazia. Imagine falar!
ALAOR
Eu vou lá!
MIRIAM (Ficando entre ele e a
saída)
Só passando por cima do meu cadáver!
ALAOR
Sai da minha frente Miriam! Se eu
tiver que morrer que seja de uma forma digna!
MIRIAM
Você ta delirando! Os tiros são
de verdade! Daqui você não sai!
BRAULIO (Inicia a frase fora de
cena e termina em cena)
Não vai ser preciso. Eu estou aqui.
Entra o play-back de Roberto Carlos cantando: “ Eu voltei/ Agora pra
ficar. /Eu voltei./ Aqui é meu lugar./ Eu voltei...
ALAOR (Após para a música)
Bráulio! Você voltou!
BRAULIO
Voltei... mas trazido pelas mãos
do acaso... A fuga me trouxe até aqui.
MIRIAM (Espantada)
Gente como ele ta crescido... ele
era tão miudinho...
ALAOR (Pra ela)
Cala a boca! Quer estragar tudo?
BRAULIO
Não entendi o que a senhora sua
esposa quis dizer.
ALAOR
Não é nada. Ela está emocionada.
MIRIAM
E que mulher não ficaria?
BRAULIO
Como?
ALAOR
Nada,nada! Miriam por favor!
MIRIAM
Ta bom, ta bom! (Ela pega o
saquinho com o sal) Vamos deixar o espanto pra outro dia. Ta aqui o pozinho.
Se entenda com ele e a gente encerra essa situação insólita.
ALAOR
Bráulio você tem que voltar!
Ainda que só venha ter uma ereção por mês! Eu lhe imploro! Volta Bráulio! Eu
retiro todas as barbaridades que eu disse. Reconheço meu erro e rogo o teu
perdão! Essa situação está acabando comigo. Eu já não como, eu já não durmo.
Até meu metabolismo mudou. Meus hormônios circulam atônitos pelo meu corpo sem
saber para onde ir!
MIRIAM
O pobrezinho já emagreceu seis
quilos, senhor Bráulio. Vive triste
pelos cantos. Outro dia tocou a campainha e ele pensou que era o senhor. O rosto dele se acendeu, parecia criança
prestes a ganhar presente. Aí ele abriu a porta... e era a mulher do Yakult.
Senhor Bráulio este homem ajoelhou aos pés do carrinho e chorou, chorou... Desde
que ele ficou assim, ele não sabe mais o que é alegria. Até o jeito dele mudou. A voz ficou mais fina, o corpo meio arredondado. (Alaor olha para ela espantado) Eu sinto
que progressivamente ele está se
tornando...feminino. (Aflita) Se o
senhor não voltar logo eu temo que ele vá ter uma menstruação!
ALAOR (Horrorizado)
O quê? Você enlouqueceu? Como se
não bastasse a minha provação, o meu calvário , o meu martírio e você ainda me
inventa uma monstruosidade dessas?
MIRIAM
Mas Alaor, você está até usando
as minhas calcinhas!
ALAOR
Não tem nada a ver! É que na
atual conjuntura a cueca fica folgada demais. Só isso! Sentir aquele vazio era como receber uma
punhalada no peito. Que mal tem? E
depois eu só uso calcinha de algodão! Nem é tão feminino assim. Tivesse usado uma lingerie você podia até
dizer alguma coisa. Mas eu devolvo! Eu
devolvo. Sou homem o bastante para entrar numa loja e comprar minhas próprias
calcinhas! Eu... eu... (Se emociona. Chora)
MIRIAM (Para Bráulio)
Ta vendo? O pobre é um sofrimento só. Aquela estória da
Alzira, da tesoura e tudo mais, não passou de um mal entendido. Eu jamais faria
uma barbaridade dessas, senhor Bráulio.
Volte para seu lugar e eu prometo que será tratado como um rei.
BRAULIO (Após breve pausa)
Vejo que há sinceridade nas suas
palavras senhora. E sinto que este humilde servo ainda tem muito a lhes
oferecer. Na modéstia da minha
capacidade e na singeleza do meu desempenho. (Curva-se num gesto de
reverência)
ALAOR/MIRIAM
Você vai voltar?
BRAULIO (Sorrindo timidamente)
Se ainda me quiserem...
ALAOR
Graças a Deus!
MIRIAM
Eu sabia! Eu sabia que essa
estória iria ter um final feliz!
BRAULIO
Mas eu só não sei exatamente como
vou voltar ao meu lugar.
MIRIAM
Não se preocupe. Nó sabemos.
ALAOR
Você está com o pozinho, Miriam?
MIRIAM
Estou. (Pega o saquinho)
BRAULIO
Que é isso?
MIRIAM
Um pozinho para desmanchar o
feitiço.
BRAULIO
Mas será que funciona?
MIRIAM
Claro que sim. Agora se acabaram
os contratempos. (Ela abre o saquinho) Deixa que eu jogo. Para provar que não
há ressentimentos. Concorda senhor Bráulio?
BRAULIO
Perfeitamente. Agora chego a ter
vergonha por um dia ter desconfiado da senhora.
MIRIAM
Então lá vai. Tchan , tchan,
tchan , tchan...
Bráulio fica ereto, concentrado,
aguardando o grande momento.
MIRIAM (Para Alaor)
Tá vendo seu bobo, como todo
aquele sofrimento foi a toa?
ALAOR (Aliviado)
Graças a Deus que tudo acabou
bem. Mas ande logo. Vamos por um término
nisso.
MIRIAM
Então lá vai! (Com o saquinho
aberto sobre Bráulio) É um, é dois e é...
POLICIAL 1 (Invadindo a casa de
arma em punho, acompanhado pelo Policial 2)
Mãos na cabeça é a polícia! O
primeiro que declamar poesia morre!
MIRIAM
Meu Deus Alaor,o que é isto?
POLICIAL 1
Mãos na cabeça eu falei!!
Os três levam às mãos a cabeça.
Miriam com o saquinho nas mãos.
ALAOR
Vocês não podem entrar aqui sem
um mandado!
POLICIAL 1
Estamos em plena captura de
ladrões de banco. Esse aí é um deles. ( Aponta Bráulio) Olho nele Noronha! Vou
avisar a Central. (Pelo rádio) Atenção central, atenção central. Elemento foi
capturado. Pelo tipo físico deve ser o meliante que atende pela alcunha de
“Cara de Cacete”. Atenção Central.
CENTRAL (Pelo rádio)
Positivo. O restante do bando já
foi preso. Dos dois milhões que eles roubaram foram recuperados vinte e cinco
reais. O restante se encontra em lugar ignorado.
BRAULIO (Estranhando)
Dois milhões?! Mas eu ouvi o Satanás dizer que eram
novecentos e cinqüenta mil.
POLICIAL 1
Cala a boca! Noronha olho nele
Noronha!
MIRIAM (Para Alaor)
Satanás?! Não vai me dizer que
Satanás existe e ainda por cima assalta banco?
ALAOR
Se existir ele com certeza não
deve ganhar a vida trabalhando.
POLICIAL1
O que tão cochichando aí?
ALAOR
Senhor Policial está havendo um
equívoco. Ele na verdade não é um assaltante. Ele é meu pênis.
POLICIAL1
Você disse pênis?
ALAOR
Exatamente!
POLICIAL 1 (Radio)
Atenção central, atenção central.
O dono da casa onde o elemento buscou refúgio se encontra sob efeito de entorpecente. Provavelmente
cocaína. Prendo ele também?
CENTRAL
Positivo!
ALAOR
Não! Não! Eu posso explicar!
Calma. Conversando a gente se entende. (Para Miriam) Na primeira oportunidade
jogue o pozinho sobre o Bráulio. Ouviu Bráulio? (Bráulio faz sinal que sim)
POLICIAL1
Mas que tanto cochicho é esse?
Afinal de contas vocês conheciam o elemento?
BRAULIO (Se antecipando)
Não! Eu invadi a casa deles.
ALAOR
Nós nunca nos vimos antes. Juro!
POLICIAL1
Ah não? Agora a pouco você
afirmou que ele era seu pênis.
ALAOR
Eu confundi! Se parece tanto...
POLICIAL1
Tem qualquer coisa estranha aqui
Noronha.
ALAOR (Para Miriam)
Vai! Joga agora!
POLICIAL1 (Interrompendo no
exato instante que ia jogar o pó)
O que é isso aí, moça?
MIRIAM (Desconcertada)
Isso o quê?
POLICIAL1
Esse negócio na sua mão?
MIRIAM
Nada. É sal! Ia temperar a comida quando vocês
chegaram.
POLICIAL1
A sua casa é invadida por um
assaltante de banco e você ainda tem cabeça para cozinhar?
BRAULIO
Fui eu que pedi, senhor Policial!
Essa vida de assaltos e fugas espetaculares, não me permite ter uma dieta
regular.
POLICIAL1
Noronha pega o saquinho!
ALAOR/MIRIAM/BRAULIO
NÃO!
POLICIAL1
Não por quê? Aí tem coisa. Vai
Noronha.
Policial 2 pega o saquinho ,
prova, degusta. Prova mais um pouquinho.
POLICIAL2
É isto mesmo.
POLICIAL1
Cocaína?
POLICIAL2
Não. Sal.
POLICIAL1
Mas que sal coisa nenhuma! Dá
esse negocio aqui!
Ele pega o saquinho, prova.
POLICIAL1
Vocês estão de brincadeira
comigo? É sal!
MIRIAM
Mas desde o início nós dissemos
que era sal.
POLICIAL1
E estão cheios de cuidados por
quê?
ALAOR/MIRIAM/BRAULIO
Nós? Não estamos nem ligando.
POLICIAL1
Ah é? Nesse caso... ( Abre o
saquinho ) Vou jogar fora.
Com o devido suspense e sob os
olhos atônitos de Alaor, Miriam e Bráulio, ele vai jogando aos poucos o sal no
chão. Bráulio coloca a mão nas costas e
saca um revólver.
BRAULIO
Pare ou eu atiro!
POLICIAL1
Largue essa arma! Você tem ele na
mira Noronha?
POLICIAL2
Tenho!
BRAULIO
E eu tenho você! Dona Miriam
depressa!
Miriam tira o saquinho das mãos
do policial.
MIRIAM (Jogando sobre Bráulio)
Lá vai!
POLICIAL 1
Fogo nele Noronha!
Efeitos luminosos, sons de
tiros. Luz acende e apaga. Quando luz
volta ao normal Bráulio não está mais em cena.
POLICIAL1
Cadê ele? Cadê ele?
POLICIAL2
Não sei! Deve ter fugido!
POLICIAL1
Vamos atrás dele!
Saem de cena.
ALAOR
Bráulio! Bráulio!
Procura, não encontra.
MIRIAM
Meu Deus, Alaor! Mataram ele...
ALAOR
Não! Não pode ser! Bráulio, meu
irmão, cadê você?
MIRIAM (Indo ampará-lo)
Não ouviu os tiros? O pobrezinho...
o pobrezinho...
ALAOR
Não!! Não me diga uma coisa
dessas!
Cai na cama aos prantos.
MIRIAM
Coitadinho... Tão boa
pessoa, tão educado. Tão inteligente,
nem parecia seu...
Alaor para de chorar, dá uma
olhadinha para ela. Depois volta a chorar novamente.
MIRIAM
Que maldade meu Deus. E pior é que nem o corpo sobrou pra gente
velar. Será que é pecado mandar rezar
uma missa?
Alaor se esconde sob os lençóis.
MIRIAM
Se não puder a gente manda o pai
de santo encomendar a alma do pobrezinho.
Alaor chora ainda mais sob os
lençóis.
MIRIAM
Será que pinto tem alma, Alaor?
Alaor silencia completamente.
MIRIAM
Será que existe um ceuzinho
especial só pra eles? Onde ficam reunidos todos os que já se foram? Quem sabe
com asinhas. Alegres contando as estórias que passaram aqui na terra. E cada
‘estoria’ eles devem ter pra contar... Sê ta me ouvindo Alaor?
Ele se mantém em silêncio.
MIRIAM
O que foi? Você está passando mal?
ALAOR
Miriam.
MIRIAM
O que é?
ALAOR
Vem aqui...
MIRIAM
Eu já estou aqui.
ALAOR
Não. Aqui. De baixo dos lençóis.
Eu quero te mostrar uma coisa.
Miriam vai para baixo dos
lençóis.
MIRIAM (Surpresa)
O Bráulio! Ele voltou! E o que é
melhor... Ta funcionando!
ALAOR
Agora vai, Miriam!
Entra a música Alelulia de Handel. Enquanto os dois simulam o ato amoroso sob os
lençóis.
FIM